CARL GUSTAV JUNG
(1875-1961)
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BIOGRAFIA
Carl Gustav Jung foi um psiquiatra suíço que propôs uma linguagem contemporânea para a Psicologia, uma estrutura da mente como ponto de partida para o entendimento da psique e um caminho de cura da alma das pessoas em geral, não só de pacientes psiquiátricos, traduzindo para a realidade atual a mesma proposta dos antigos terapeutas do Egito, relatados por Fílon, o Judeu; dos gnósticos do período helênico e dos alquimistas cristãos.
Jung nasceu em 1875, em Kesswil, na Suíça. Seu pai era pastor luterano, e sua mãe também era de uma família de pastores luteranos. Desde cedo, a partir de sonhos e vivências interiores, Jung questionou a religiosidade presente na ortodoxia cristã. “[Meu pai] tomara por regra de conduta os mandamentos da Bíblia, acreditando em Deus como a Bíblia exige e como seus pais o haviam ensinado. Mas não conhecia o Deus vivo, imediato, que se mantém livre e onipotente, acima da Bíblia e da Igreja.” “‘Pois bem’, costumava dizer: (…) ‘o importante é crer’. E eu pensava: ‘Não, é preciso experimentar e saber’.”[1]
Desde jovem interessou-se pela tradição do Graal — “Li essas histórias pela primeira vez aos quinze anos, e isso foi um acontecimento inesquecível, uma impressão que nunca mais desapareceu! Desconfiava que havia um mistério nessas histórias”[2]—, mas deixou o tema de pesquisa para sua esposa, Emma Jung, que também se interessava pelo assunto antes mesmo de se casar com ele[3]. “Era esse o meu mundo, no mais íntimo sentido da palavra.”[4] “Se o respeito que sentia pelo trabalho de minha mulher não me houvesse impedido, certamente teria incorporado a lenda do Graal às minhas pesquisas sobre a alquimia.”[5]
Em suas leituras, foi influenciado pela visão realista do sofrimento exposta por Schopenhauer; por Mestre Eckhart; por Kant; por Goethe, escritor que na juventude teve um vivo interesse pela alquimia e pela filosofia hermética, e por Emmanuel Swedenborg: “Li sete volumes de Swedenborg”. Dos filósofos gregos, “amei acima de tudo as ideias de Pitágoras, de Heráclito, de Empédocles e de Platão”[6].
Cursou Medicina na Universidade de Basileia, especializando-se em Psiquiatria. Sua formação prática deu-se na Clínica Psiquiátrica Burghölzli, sob a direção de Eugene Bleuler. Burghölzli era não apenas o hospital psiquiátrico da região, mas também a clínica psiquiátrica da Universidade de Zurique, onde lecionou Psiquiatria a partir de 1905.
Na segunda metade do séc. XIX, havia uma linha da Psiquiatria, representada por Jean-Martin Chacot, que retomava a linha do médico alemão Franz Anton Mesmer ao utilizar a hipnose para a cura de males psíquicos. Charcot foi professor de Sigmund Freud, Bleuler e Pierre Janet, dentre outros. Além de trabalhar com Bleuler, Jung estudou um ano com Pierre Janet em Paris.
Além disso, nessa época, havia uma linha de investigação científica de fenômenos psíquicos, e Jung não só leu cientistas como William Crookes, Alfred Wallace e Friedrich Zöllner, como foi influenciado por médicos como Théodore Flournoy, da Universidade de Genebra, que utilizava relatos de médiuns como base para investigar os fenômenos psíquicos. Para Flournoy, a Psicologia deveria estudar todos os fenômenos humanos e estudar o que ainda não estava dominado pela ciência. Influenciado por essa linha de investigação, Jung escreveu sua dissertação de graduação, Sobre a Psicologia e Patologia dos Chamados Fenômenos Ocultos: um Estudo Psiquiátrico.
Enquanto trabalhava no Burghözli, desenvolveu a teoria dos complexos e o método de associação, que lhe rendeu fama internacional, sendo utilizado inclusive como método auxiliar em questões forenses. Nessa época, escreveu Estudos Diagnósticos sobre as Associações, A Psicologia da Demência Precoce, como então era chamada a esquizofrenia, termo cunhado por Bleuler, e O Conteúdo das Psicoses. Junto com Bleuler, Jung inaugurou uma nova era da Psiquiatria, que buscava investigar o conteúdo dos relatos dos pacientes e respeitar sua individualidade.
Em 1906, iniciou com Freud uma parceria de seis anos que sedimentou o movimento psicanalítico e propôs uma ampliação dos limites da mente até então conhecidos no mundo ocidental. Esse foi um período de intensa atividade institucional. Contudo, desde o início já havia divergências conceituais entre os dois, que se explicitaram quando Jung escreveu Símbolos da Transformação, livro que causou um rompimento definitivo entre os dois. Nessa obra, Jung discordava do conceito de libido como uma energia eminentemente sexual, considerando-a uma energia vital sem natureza específica e aproximando-a do conceito de prana da filosofia indiana. Além disso, Jung discordava da visão de Freud quando este dizia que o inconsciente era somente um repositório de impulsos e desejos reprimidos. Sua concepção do inconsciente era influenciada pelos filósofos alemães C.G. Carus e Franz von Hartmann. Segundo von Hartmann, o inconsciente, e não a consciência, era primário. A consciência era vista como um produto do inconsciente. O inconsciente era o substrato da consciência de todos os indivíduos[7].
Após o rompimento com Freud, iniciou-se um período de profunda introspecção que durou de 1913 a 1917. As experiências, visões e sonhos que teve durante esses anos, Jung registrou em vários cadernos, depois chamados Livro Negro. Uma parte do material do Livro Negro foi transcrita, acompanhada de imagens desenhadas por ele, o que foi chamado Livro Vermelho, ou Liber Novus. O significado apreendido dos vários sonhos e visões desse período foram então o germe de sua obra posterior. “Levei praticamente quarenta e cinco anos para destilar dentro do vaso da minha obra científica as coisas que vivenciei e escrevi naquela época”.[8] Sua linha de atuação foi chamada de Psicologia Analítica.
Além das visões que prenunciaram o advento da Primeira Guerra Mundial, Jung tinha visões em que mantinha diálogos com Elias e Salomé, acompanhados de uma serpente negra. Posteriormente, surgiu outro personagem: Filemon. “Filemon era um pagão que trouxe à superfície uma atmosfera meio egípcia, meio helenística de tonalidade algo gnóstica.” “Filemon, da mesma forma que outros personagens da minha imaginação, trouxe-me o conhecimento decisivo de que existem na alma coisas que não são feitas pelo eu, mas que se fazem por si mesmas, possuindo vida própria. “[Eu] o considerava uma espécie de guru, no sentido dado pelos hindus a essa palavra”.[9] Mais tarde, surgiu outro personagem, que Jung chamou de Ka.[10] Em outra de suas visões, encontra com Ammonius,[11] personagem que ensinava filosofia neoplatônica e as obras de Filo em Alexandria no séc. III. Os diálogos tratavam de vários temas, dentre eles, a estrutura da personalidade humana; os efeitos históricos e psicológicos do cristianismo; o desenvolvimento religioso futuro do Ocidente; a união dos opostos; a ciência; o significado dos símbolos.
Em 1916, escreveu Sete Sermões aos Mortos, um texto em linguagem eminentemente gnóstica, em cujo registro ele adicionou ao título: “As sete instruções aos mortos, escritas por Basílides em Alexandria, a cidade onde o Oriente toca o Ocidente” e “Traduzido do original grego para o alemão”[12]. No Livro Vermelho ele acrescentou os comentários de Filemon a cada um dos Sete Sermões[13].
Ao Sete Sermões aos Mortos, seguiram-se A Estrutura do Inconsciente; Sobre a Psicologia do Inconsciente; A Função Transcendente; Dialética do Eu e do Inconsciente eTipos Psicológicos.
Após o período de 1918 a 1926, Jung estudou seriamente o gnosticismo, tendo sido muito influenciado pelas obras de George Mead. Sua biblioteca continha dezoito livros de Mead, muitos da série Ecos da Gnose. Jung o cita frequentemente em sua obra[14]. Jung visitou Mead em Londres para lhe agradecer a tradução de Pistis Sophia, e Mead visitou-o várias vezes na Suíça[15], além de terem mantido correspondência, ainda não publicada.
Jung também se dedicou ao reavivamento do gnosticismo. Quando, em 1948, vários textos gnósticos encadernados foram descobertos em Nag Hammadi, no Egito, C. A. Meier, então diretor do Instituto Jung, adquiriu o primeiro dos cadernos e deu-o de presente a Jung, em novembro de 1953. O presente, chamado de Códice Jung, hoje está no Museu Copta do Cairo. O Instituto estimulou que a tradução dos textos de Nag Hammadi fosse realizada o mais rápido possível.
A partir de 1928, após ter recebido de Richard Wilhelm a tradução do tratado chinês taoísta O Segredo da Flor de Ouro, sua atenção voltou-se para a alquimia. Jung via na alquimia uma continuação da linhagem gnóstica e buscou explicar como a alquimia tinha sido mal compreendida. Uma frase de Mary Ann Atwood, no A Suggestive Inquiry of the Hermetic Mystery destacada por Jung em seu exemplar de A Tradição Secreta na Alquimia, de Arthur Waite, retrata sua visão da alquimia: “O homem então (…) é o verdadeiro laboratório da Arte Hermética; sua vida, o assunto, a grande destilaria, aquilo que destila e aquilo que é destilado, e o autoconhecimento é a raiz de toda tradição alquímica”. Disse Jung: “Estes textos alquimistas são fantásticos e barrocos; somente quando se conhece previamente a chave interpretativa é possível ver que encerram também muitas coisas preciosas”.[16]
A partir dos anos 30, deixou de trabalhar com o Livro Negro e passou a dedicar-se ao estudo desse tema. “Entreguei-me a preocupações negligenciadas há muito tempo que interessam ao Ocidente e que outrora se exprimiam pela busca do Santo Graal assim como pela busca da ‘pedra filosofal”[17]. “Vi logo que a psicologia analítica concordava singularmente com a alquimia. As experiências dos alquimistas eram minhas experiências, e o mundo deles era, num certo sentido, o meu”. [18]
Em 1935, Jung fez sua primeira apresentação sobre alquimia em uma palestra intitulada Símbolos dos Sonhos do Processo de Individuação”, traçando um paralelo alquímico com os sonhos do físico Wolfgang Pauli, um dos teóricos da física quântica[19]. Pauli primeiramente o procurou como terapeuta, e depois os dois mantiveram correspondência, publicada sob o título Atom and Archetype.
Na década de 50, publica Aion (1951); Das Raízes da Consciência (1954) e Mysterium Conjunctionis (1955-1956).
Jung também promoveu o diálogo entre o pensamento oriental e o ocidental. Ele igualava o conceito de Self, traduzido para o português como “Si-mesmo”, à concepção hindu de Atman: “O eu é somente o sujeito de minha consciência, enquanto o Si-mesmo é o sujeito da minha totalidade, portanto inclui a psique inconsciente”[20], “O que chamamos de ‘Si-mesmo’ não está apenas em mim, mas em todos os seres, como o Atman e como o Tao. É a totalidade psíquica”[21].
Participando ativamente das Conferências de Eranos, em Ascona, na Suíça, que eram focadas na história da religião e da cultura, Jung sugeria temas e oradores. Participaram dessas conferências, dentre outros, Henry Corbin e Louis Massignon, que escreveram obras sobre o ismailismo; Giuseppi Tucci, que escreveu sobre budismo; Gilles Quispel, que escreveu sobre o gnosticismo. Além disso, realizou palestras sobre a ioga, sobre os Yogasutras de Patanjali e o Shrichakrasambhara; escreveu uma introdução para o Livro Tibetano dos Mortos, traduzido por Walter Evans-Wentz. Jung também providenciou uma tradução para o inglês da tradução alemã que Richard Wilhelm havia feito do I-Ching, o Livro das Mutações, tendo escrito a introdução.
[1] JUNG, C.G., Memórias, Sonhos, Reflexões, Rio de Janeiro, 1996, Ed. Nova Fronteira, p. 50.
[2] Idem, p. 148.
[3] BAIR, Dreirdre, Jung, uma Biografia, São Paulo, Ed. Globo, 2006, vol. 2., p. 110.
[4] JUNG, C.G., op. cit., p. 148.
[5] Idem, p. 189.
[6] Ibid., p 70.
[7] SHAMDASANI, Sonu, C.G. Jung, a Biography in Books, Verona, Itália, W.W. Norton & Company, 2012, p. 27-28.
[8] Idem, p. 204.
[9] JUNG, C.G., op. cit. p. 162-163.
[10] Idem, p. 164.
[11] JUNG, C.G., Editado por Sonu Shamdasani, The red book – liber novus, Verona, Itália, W.W. Norton & Company, 2009, p. 267ss.
[12] SHAMDASANI, Sonu, C.G. Jung, a biography in books, Verona, Itália, W.W. Norton & Company, 2012, p. 122.
[13] JUNG, C.G., Editado por Sonu Shamdasani, The Red Book – Liber Novus, Verona, Itália, W.W. Norton & Company, 2009, p. 207
[14] As obras de Mead presentes na biblioteca de Jung eram: Apollonius of Tyana, the Philosopher-reformer of the first century A.D.; The Chaldean Oracles, 2 vols.; Did Jesus live in 100 B.C.,; The Doctrine of the Subtle Body in Western Tradition; Fragments of a Faith Forgotten: Some Short Sketches among the Gnostics, mainly of the First Two Centuries; The Gnostic Crucifixion; The Gnostic John, the Baptizer; The Hymn of Jesus; The Hymn of the Robe of Glory; A Mithraic Ritual; Simon Magus, an Essay; Some Mystical Adventures; Pistis Sophia, a Gnostic Miscellany; Thrice-Greatest Hermes, 3 vols.; The vision of Aridaeus; The Wedding-song of Wisdom e The World-mistery, in GOODRICK-CLARKE, Clare e Nicholas, G. R. S. Mead and the Gnostic Quest, Berkeley, Califórnia, 2005, North Atlantic Books, p. 29.
[15] GOODRICK-CLARKE, Clare e Nicholas, G. R. S. Mead and the Gnostic Quest, Berkeley, Califórnia, 2005, North Atlantic Books, p. 31.
[16] JUNG, C.G., Memórias, Sonhos, Reflexões, Rio de Janeiro, 1996, Ed. Nova Fronteira, p. 180.
[17] Idem, p. 248.
[18] Ibid., p. 181.
[19] SHAMDASANI, Sonu, C.G. Jung, a Biography in Books, Verona, Itália, W.W. Norton & Company, 2012, p.193 e 208.
[20] JUNG, C.G., Tipos Psicológicos, Petrópolis, Ed. Vozes, 1991, p. 406, § 796.
[21] JUNG, C.G., Psicologia em Transição, Petrópolis, Ed. Vozes, 1993, p. 431, § 873.