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OS ENSINAMENTOS DE JESUS NOS EVANGELHOS GNÓSTICOS
Conforme relata Mateus em seu evangelho (13:10-17), Jesus revela a seus discípulos: “A vós foi dado conhecer o mistério do Reino dos Céus”. Entretanto, durante muitos séculos, esses ensinamentos não se encontravam disponíveis.
Antes do estabelecimento da Igreja Católica, havia muitas escolas de sabedoria que tinham Jesus como referência e estudavam diferentes textos atribuídos a seus discípulos e continuadores. Esses textos continham as anotações dos ensinamentos dados por Jesus aos discípulos de forma pública e também reservadamente, bem como relatos de acontecimentos, os Atos. Em Edessa, hoje chamada Urfa, na Turquia, por exemplo, uma escola possuía um material relacionado a Tomé. Em Antioquia, havia uma escola, dirigida por um personagem chamado Menandro, que possuía, dentre outras coisas, material relativo a João,que foi redigido como Atos de João.Em Alexandria, a escola de um mestre chamado Basílides possuía uma versão do evangelho de Mateus diferente da que consta do Novo Testamento. Em Roma e também em Alexandria, a escola de um personagem chamado Valentino balizava-se pelos ensinamentos de Paulo de Tarso e possuía textos atribuídos a ele. Assim, muitos escritos circulavam pelos países situados em torno do Mediterrâneo, e cada grupo tinha o seu próprio “cânone”, o conjunto de ensinamentos de Jesus que priorizavam. Além disso, os membros das escolas escreviam seus próprios comentários e textos.
A partir do imperador Constantino, no século IV, a Igreja Católica começou a ganhar apoio político para se tornar a religião oficial do império romano[1] e para se organizar no sentido de uma unificação. Em nome dessa unificação, as escolas que tinham diferentes abordagens em relação a Jesus e a seus ensinamentos passaram a ser chamadas de heresias e a ser combatidas e fechadas. Note-se que, pela etimologia da palavra, “heresia” vem do grego haíresis e significa “competência para escolher”. Ao longo dos séculos, foram realizados diferentes concílios que determinavam quais textos e ensinamentos a Igreja Católica considerava válidos. As obras que não eram aprovadas pela nascente Igreja foram proibidas por ordem expedida pelo arcebispo Atanásio de Alexandria, em 367 d.C, tendo sido confiscadas ou destruídas[2]. Muitos desses textos eram chamados apócrifos, pois continham ensinamentos reservados de Jesus. A palavra “apócrifo”, derivada do grego apókryphos, queria dizer “reservado”, “oculto”, “secreto”. Com o tempo, essa palavra ganhou o sentido equivocado de “espúrio”, “falso”, por se referir àquilo que não se alinhava com o cânone oficial
Contudo, nem todos os textos foram confiscados ou destruídos. A partir de 1750, começaram a aparecer cadernos antigos, em pergaminho ou papiro, que continham ensinamentos públicos e reservados de Jesus. O primeiro deles é um conjunto de diferentes livros chamado Pistis Sophia. Nesse texto, dentre outras coisas, Jesus aparece respondendo a diversos questionamentos de seus discípulos.Esse caderno, ou códice, em que se encontra Pistis Sophia apareceu no mercado de antiguidades e foi comprado por um colecionador chamado Anthony Askew. Por isso ele se chama Códice Askew. Posteriormente foi vendido ao Museu Britânico e hoje se encontra na Biblioteca Britânica, em Londres. O scholar inglês G. R. S. Mead traduziu o texto para o inglês em 1896.
No segundo livro de Pistis Sophia, são citados diversas vezes os chamados Livros de Ieu (ou Jeu, Ieou, ou O Livro do Grande Logos),e manuscritos que contêm esses livros foram adquiridos pelo explorador e escritor escocês James Bruce de Kinnaird (1730-1794)nas ruínas próximas a Medinet Habu, no Alto Egito, em 1769. Trata-se do Códice de Bruce, ou Codex Brucianus, que contém, além dos Livros de Ieu, o chamado Apocalipse sem Título. Esse códice foi adquirido pela Biblioteca Bodleian, em Oxford, onde se encontra até hoje.
Em 1896, apareceu um terceiro códice, descoberto em Akhmim, no Egito. Nele constam o Evangelho de Maria Madalena, o Evangelho Apócrifo[3] de João, A Sabedoria (Sophia) de Jesus, o Cristo; e Atos de Pedro.No Evangelho de Maria Madalena, essa importante discípula de Jesus relata, a pedido dos outros discípulos, ensinamentos dados exclusivamente a ela. No Apócrifo de João há um ensinamento relativo à cosmogonia e ao surgimento do homem. Em A Sabedoria de Jesus, o Cristo, Jesus concede um ensinamento também relativo à cosmogonia por meio de respostas às perguntas dos discípulos. Esse códice foi adquirido pelo Museu de Berlim e, por isso é chamado de Códice de Berlim, tendo sido chamado anteriormente de Códice Akhmim.
Em 1945, foi descoberta a famosa Biblioteca de Nag Hammadi. Nag Hammadi é um pequeno vilarejo na região de Chenoboskion, também no Alto Egito. Essa biblioteca é composta por uma coleção de 13 cadernos ou códices, contendo 47 textos diferentes mais fragmentos e duplicatas, num total de 53 textos. Entre eles, estão o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe, o Livro Reservado de Tiago, o Livro de Tomé, Diálogos do Salvador, além de três outras versões do Apócrifo de João, uma de A Sabedoria de Jesus, o Cristo e uma cópia do Evangelho de Maria Madalena. Imagina-se que esse material fazia parte da biblioteca do mosteiro de São Pacômio, cujas ruínas se encontram na região, e que os monges arranjaram um modo eficaz de atender ao edito do arcebispo Atanásio e também às suas próprias consciências, pelo visto, ressentidas de destruir os textos. Eles os guardaram dentro de uma urna de argila e os enterraram na base do penhasco calcário denominado Djebel el-Tarif. Acredita-se que, anteriormente, muitos textos dessa biblioteca foram escritos por membros da escola de Valentino, no século II, e alguns pelo próprio Valentino. Existe a possibilidade de todo ou, pelo menos, a maior parte desse material ter pertencido a essa escola e, posteriormente, ter sido levado para o interior do Egito. Depois de descobertos, esses códices foram separados por diferentes pessoas que os adquiriram. O primeiro dos 13 códices foi adquirido pelo Instituto Jung e dado ao psiquiatra Carl Gustav Jung de presente em seu 80º aniversário e, por isso, foi chamado de Códice Jung. Atualmente, depois de muitos anos em negociação, todos se encontram no Museu Copta do Cairo.
Esses códices não contêm os textos originais, mas, sim, cópias traduzidas para o copta, uma língua egípcia que utiliza caracteres gregos. Alguns deles foram identificados como aqueles cujas passagens ou resumos constavam de obras que os fundadores da Igreja Católica, os chamados pais da Igreja, como Irineu de Lyon, Hipólito e Tertuliano, utilizaram nos textos que escreveram para condená-los. Acredita-se que as traduções para o copta, a partir de uma fonte grega, foram feitas no século IV. Essa fonte grega talvez seja também uma tradução a partir de originais mais antigos, escritos em aramaico. Alguns estudiosos pensam que os nomes dos discípulos foram utilizados para dar crédito a um texto posterior, outros, porém, acreditam que os textos foram redigidos posteriormente, a partir de material mais antigo e autêntico que foi preservado. O Livro de Tomé, por exemplo, inicia-se desta forma: “Ensinamentos reservados que o Salvador transmitiu a Judas Tomé, e eu, Matias, registrei enquanto caminhava e os ouvia conversar”. No Livro Reservado de Tiago, lemos: “Estavam os discípulos sentados, relembrando o que o Salvador havia dito a cada um, em particular ou abertamente, e organizando livros com tais lembranças. Eu, de minha parte, também estava escrevendo meu livro”.No Evangelho de Maria Madalena, Pedro diz a Maria: “Conta-nos as palavras do Salvador, as de que te lembras, aquelas que só tu sabes e nós nem ouvimos”.
Um tema que caracteriza essas obras é a gnosis, uma sabedoria intuitiva inata, e não um conhecimento construído por meio de conceitos. Por isso, esses códices são chamados de gnósticos. Essa sabedoria seria semelhante a um despertar, seria a tomada de consciência da natureza mais interna de cada indivíduo, o espírito universal presente em cada ser. No Livro de Tomé, lemos: Aquele que não se conhece, nada conhece, mas aquele que se conhece já alcançou, pela gnosis, a profundeza do todo.
Nos textos gnósticos, sacramentos como o batismo, o casamento, a extrema-unção, são vistos a partir de uma abordagem muito diferente da do cristianismo ortodoxo. O casamento, por exemplo, é apresentado como a restauração, em cada um, da unidade perdida entre o aspecto material e o espiritual. No Evangelho de Filipe, lemos:Se a mulher não se houvesse separado do homem, não teria morrido com ele. Sua separação tornou-se o começo da morte[4]. Por isso veio Cristo, para anular a separação que existia desde o princípio, para unir ambos e para dar vida àqueles que haviam morrido na separação e uni-los de novo”, “Pois bem, a mulher se une com o marido na câmara nupcial”.
A ressurreição é outro tema muito abordado nesses textos. Ainda no Evangelho de Filipe encontramos as seguintes passagens: “Os que dizem que o Senhor primeiro morreu e depois ressuscitou, enganam-se, pois primeiro ressuscitou e depois morreu”, “Os que afirmam que primeiro é preciso morrer e depois ressuscitar se enganam. Se não se recebe primeiro a ressurreição em vida, nada se receberá ao morrer”.
Ao mesmo tempo, o caminho para a gnosis é trilhado individualmente, sem intermediários. No Livro Reservado de Tiago, lemos a seguinte exortação de Jesus: “Nenhum de vós jamais entrará no reino dos céus apenas porque assim eu ordenei, mas por vós mesmos estardes plenos”, “É assim também que vós podeis conquistar para vós mesmos o reino dos céus. A menos que o alcanceis pela gnosis, não sereis capazes de encontrá-lo”.
Algo que chama a atenção é o modo como os discípulos são apresentados nessas obras. Maria Madalena, por exemplo, é apresentada, dentre todos os discípulos, como a mais próxima de Jesus. No Evangelho de Filipe lemos a seguinte passagem sobre Maria Madalena: “A companheira do [Salvador] era Maria de Magdala. O [Salvador amou-]a mais do que [a todos] os discípulos. No Evangelho de Maria Madalena, Pedro diz a ela: “Irmã, sabemos que o Salvador te amava mais do que a qualquer outra mulher”. No Livro de Tomé está a seguinte passagem em que Jesus fala sobre Tomé: “Como tem sido dito que você é meu gêmeo e meu verdadeiro companheiro, examine-se e aprenda quem você é”. Sobre João, é dito por Jesus ao responder a uma pergunta no Apócrifo de João: “Você é verdadeiramente abençoado, porque entendeu”. Pedro não é retratado como aquele que recebeu os ensinamentos mais avançados. Ao contrário, assim como André, ele aparece demonstrando estranheza em relação aos ensinamentos recebidos por outros.
Apresentamos um rápido panorama dos evangelhos gnósticos relacionados a Jesus.
O EVANGELHO DE TOMÉ
Este é um conjunto de 114 sentenças de sabedoria de Jesus registradas por Judas Tomé, o gêmeo, discípulo que atuou em Edessa, na Síria, atual Urfa. Neste evangelho, não há narrativas sobre acontecimentos da vida de Jesus ou relatos de cura. Algumas passagens são bem conhecidas, como:
Jesus disse: Você vê o cisco que está no olho de seu irmão, mas não vê a trave que está em seu próprio olho. Quando tirar a trave de seu próprio olho, então você verá de modo suficientemente claro para tirar o cisco do olho de seu irmão.
Algumas são parcialmente conhecidas, com uma continuação menos conhecida:
Jesus disse: Que aquele que procura não deixe de procurar até que encontre. Quando encontrar, ficará perturbado. Quando estiver perturbado, ficará maravilhado e dominará o todo.
Outras apresentam uma versão diferente das que são mais conhecidas:
Jesus disse: Talvez as pessoas julguem que vim para impor paz ao mundo. Não sabem que vim para impor conflitos sobre a terra: fogo, espada, guerra. Pois haverá cinco em uma casa: haverá três contra dois e dois contra três, pai contra filho e filho contra pai, e permanecerão sozinhos.[5]
Outras se assemelham a outros evangelhos gnósticos:
Jesus disse: “Quando de dois fizerem um, e o de dentro for como o de fora, e o de fora for como o de dentro, e o de cima for como o de baixo, e quando de homem e mulher fizerem um só, então o homem não será homem nem a mulher será mulher, quando puserem olhos em lugar de um olho, uma mão em lugar de uma mão, um pé em lugar de um pé, uma imagem em lugar de uma imagem, então vocês entrarão [no reino]”.
Algumas são exclusivas a este evangelho:
Jesus disse: “Sou a luz que está sobre todas as coisas. Sou o todo: de mim saiu tudo, e a mim tudo chegou. Dividam um pedaço de madeira; aí estou. Ergam a pedra, e aí me encontrarão”.
Passagem semelhante encontra-se no Bhagavad Gita. A estudiosa Elaine Pagels reconhece uma influência indiana presente nesse evangelho e uma afinidade com a tradição budista. Em The Gospel of Thomas, New Perspectives on Jesus’ Message, ela chama a atenção para o fato de que esse evangelho apresenta Jesus como um modelo para a humanidade daquele que restituiu em si uma condição divina perdida e que essa restituição é possível a todos, quando reconhecem em si mesmos a luz divina que está presente em tudo o que existe, porque tudo o que existe procede dessa luz e é essa luz.
O LIVRO DE TOMÉ
Este é o relato de um diálogo entre Jesus e Tomé registrado por Mateus. Jesus diz a Tomé:
Já que és chamado de meu irmão, não é conveniente que desconheças a ti mesmo.
Enquanto me acompanhas, apesar de ignorar muitas outras coisas, adquiriste algum conhecimento e serás visto como “aquele que se conhece”.
Quem busca a Verdade na verdadeira sabedoria criará em si asas para voar e fugir da paixão que inflama os espíritos humanos.
O LIVRO RESERVADO DE TIAGO
O Livro Reservado de Tiago é uma carta desse discípulo de Jesus a um destinatário cujo nome não é legível. Marvin Meyer, um dos tradutores dos textos de Nag Hammadi, acredita que se trate de Cerinto, mestre gnóstico de Éfeso associado às primeiras formas da tradição cristã. Tiago recomenda:
Tenha cuidado para que este livro não seja divulgado, pois o Salvador nem o quis transmitir a todos nós, seus discípulos.
A carta relata um diálogo de Jesus com Tiago e Simão. Mais adiante, diz:
Não quereis estar plenos? Vossos corações estão embriagados e não quereis ficar sóbrios?
Refleti quanto tempo o mundo existiu antes de vós e quanto existirá depois de vós. Descobrireis, então, que a vida dura apenas um único dia; e seu sofrimento, uma única hora apenas.
O EVANGELHO DE FILIPE
Trata-se de um conjunto de sentenças atribuídas a Jesus. Esse registro é associado a Filipe porque uma fala desse discípulo é citada no texto. Considera-se que há nele uma forte presença das ideias da escola de Valentino, e David Brakke aponta que ele se assemelha a passagens de Theodotus, importante personagem dessa escola em Alexandria.
Jesus ocultou-se de todos, pois não se manifestou como era integralmente, e, sim, dentro das possibilidades de cada um. Assim é que apareceu […] grande aos grandes, pequeno aos pequenos, como anjo aos anjos e como homem aos homens.
Três [eram as que] caminhavam continuamente com o Senhor: sua mãe Maria, a irmã desta e Madalena, a quem designa como sua companheira. Maria é o nome de sua irmã, sua mãe e companheira.
A companheira do [Salvador] é Maria de Magdala. O [Salvador] amou-a mais do que [todos] os discípulos.
O LIVRO RESERVADO DE JOÃO
Trata-se do relato de um diálogo entre João e Jesus sobre o surgimento do cosmos e do homem. Este texto tinha grande circulação e foi comentado pelos detratores do gnosticismo. Foram encontradas quatro cópias: uma no Códice de Berlim e três em diferentes códices da Biblioteca de Nag Hammadi.
Falando sobre o Uno, o espírito virgem invisível, pai do todo, fonte de todas as coisas, é dito:
O Uno é o espírito invisível.
O Uno é ilimitável, pois não há nada antes dele para limitá-lo; inimaginável, pois não há nada antes dele para imaginá-lo; imensurável, pois não há nada antes dele para mensurá-lo.
[…]
O Uno é luz imensurável, puro, sagrado, imaculado.
O Uno não é corpóreo e não é incorpóreo.
O Uno não é grande e não é pequeno.
É impossível dizer “Quanto ele é?” “De que tipo ele é?”Porque ninguém pode entendê-lo.
A SABEDORIA DE JESUS, O CRISTO
Há duas versões desse texto, uma no Códice de Berlim, e outra na Biblioteca de Nag Hammadi. Ele relata uma reunião em que estão presentes Jesus, Filipe, Mateus, Tomé, Maria Madalena, Bartolomeu e outros discípulos que não são nomeados especificamente. O diálogo inicia-se com Jesus perguntando:
Sobre o que estão refletindo? (…) O que estão procurando [entender]?
Ao que Filipe responde:
A respeito da realidade subjacente do universo.
O texto trata das forças que compõem o universo. Ao final, Jesus diz:
Quem, através da pura gnosis, conhecer [o Pai, partirá] para o Pai e [repousará no Pai] Não Gerado.
Eu vim para removê-los de sua cegueira, para que eu possa falar a cada um a respeito do Deus que está acima do universo.
O EVANGELHO DE MARIA MADALENA
Neste evangelho, Maria Madalena relata, instada por Pedro, os ensinamentos que recebeu exclusivamente de Jesus. Faltam seis páginas no início e quatro no meio.
Pedro disse a Maria: Irmã, sabemos que o Salvador te amava mais do que a qualquer outra mulher. Conta-nos as palavras do Salvador, as de que te lembras, aquelas que só tu sabes e nós nem ouvimos.
Ela relata um diálogo que teve com Jesus sobre uma visão. Há uma interrupção no texto que é retomado com um relato sobre a libertação das amarras da matéria. Diz a alma:
Em um mundo fui liberta por meio de outro mundo e, em uma imagem, fui liberta por meio de uma imagem celestial. Esses são os grilhões do esquecimento que existem no mundo do tempo. A partir de agora repousarei, através do tempo, era e eon, em silêncio.
Ao final, Pedro disse:
Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvi-la? Ele a preferiu a nós?
Levi respondeu: (…) “Se o Salvador a fez merecedora, quem és tu para rejeitá-la? Certamente o Salvador a conhece bem. Daí a ter amado mais do que a nós.
O LIVRO SAGRADO DO GRANDE ESPÍRITO INVISÍVEL
Também chamado de Evangelho dos Egípcios, esse evangelho foi divulgado no Egito por Salomé, discípula de Jesus. Ele trata da origem do universo e apresenta instruções para um rito de batismo.
Depois de ter-vos conhecido, passei a andar na companhia da vossa lealdade. Armei-me com a armadura de luz. Tornei-me luminoso. A mãe estava lá com a sua beleza adorável de graça. Então estendi as minhas mãos. Fui moldado no círculo das riquezas de luz no meu peito, dando forma aos muitos seres gerados da luz além da repreensão. Em verdade eu declararei a vossa glória, eu vos compreendi: sou vosso, Jesus; olhai, para sempre Ô… para sempre E…
Ó Jesus! Ó reino eterno, reino eterno, Deus do silêncio, eu vos venero totalmente.
PISTIS SOPHIA
Pistis Sophia é formado por cinco livros que narram ensinamentos dados por Jesus a um grupo de discípulos, um rito realizado por ele, o mito de Sophia e uma série de respostas às perguntas dos discípulos.
Jesus designa Filipe, Tomé e Matias como seus escribas. Ao pedido de Filipe para se manifestar, Jesus responde:
Ouve, Filipe, o abençoado, a quem eu disse: a ti, a Tomé e Matias foi determinado, pelo Primeiro Mistério, anotar todos os discursos que eu proferisse e tudo o que viesse a fazer e todas as coisas que virdes. Porém, o número de discursos que tens que escrever ainda não terminou. Quando o tiveres completado, então, poderás adiantar-te e proclamar o que te agradar.
Jesus diz a seus discípulos:
Eu vos farei conhecer todos os Mistérios da Luz e toda a Gnosis. Não cessai de procurar, nem de dia nem de noite, até que tenhais achado os Mistérios do Reino da Luz.
Em outro momento, após ouvirem um ensinamento, os discípulos disseram:
Abençoados somos nós além de todos os homens, porque nos revelaste estas grandes maravilhas.
Após um comentário de Maria Madalena a seu ensinamento, Jesus diz:
Excelente, Maria! Tu és abençoada mais do que todas as mulheres na Terra, porque serás a plenitude de todas as plenitudes e a perfeição de todas as perfeições.
Em relação aos Códices de Askew, de Bruce e de Berlim, uma figura-chave foi Carl Schmidt, estudioso da língua copta e da história do cristianismo. Ele traduziu Pistis Sophia para o alemão, organizando o texto em capítulos, e sua tradução é considerada a melhor até hoje. Além disso, ele reordenou as folhas do Códice Bruce que haviam sido encadernadas fora de ordem, com folhas até invertidas, por falta de assessoria de alguém que conhecesse a língua, e as traduziu. Essa tradução depois foi republicada, com contribuições, por Violet MacDermot. Ele traduziu também os textos do Códice de Berlim, contudo a explosão de um cano na gráfica destruiu o trabalho. Preparou uma nova impressão, mas morreu em 1938, antes de vê-la pronta. Seu sucessor, Walter Till, retomou o trabalho, mas não pôde publicá-lo por causa da guerra. Em 1945, com a descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi, Till pôde fazer uma revisão da sua edição comparando com as diferentes versões encontradas e finalmente publicar em 1955, 59 anos depois da descoberta.
Em contato com Schmidt estava George Mead, que havia feito uma tradução de Pistis Sophia para o inglês a partir da versão de Möritz Schwartze para o latim. Após a tradução de Schmidt, Mead revisa sua tradução. Além da tradução de Pistis Sophia, Mead dedicou sua vida a apresentar essa corrente de pensamento chamada gnosticismo, que vai de Jesus até Bardesanes (154-222), considerado o último gnóstico. Tendo morrido em 1933, não testemunhou o descobrimento da Biblioteca de Nag Hammadi, mas sua obra até hoje é uma referência para situarmos esses textos e os personagens ligados a eles. Segundo Stephan Hoeller, o grande mérito de G.R.S. Mead é ter tido a habilidade para discernir o significado interior e espiritual dos escritos gnósticos e herméticos.
Em relação a Nag Hammadi, muitos foram os estudiosos envolvidos na tradução e estudo dos textos. Inicialmente, podemos citar os franceses Jean Doresse, Henry-Charles Puech, o holandês Gilles Quispel e o alemão Walter Till, que trabalhou com Carl Schmidt na publicação do Códice de Berlim. Posteriormente, para promover a tradução e o estudo desses textos, James Robinson, Secretário do Comitê Internacional para os Códices de Nag Hammadi, da Unesco, formou uma equipe com estudiosos da Europa, do Canadá e dos Estados Unidos para preparar edições fotográficas dos textos e as distribuiu entre estudiosos do mundo todo. Desde então, esses textos, e a filosofia contida neles, têm sido apresentados por estudiosos de universidades importantes, como Yale, Columbia, Harvard e Laval (Canadá).
Bibliografia:
Bentley Layton. The Gnostic Scriptures, Doubleday, Nova York, EUA.
David Brakke. Gnosticism: From Nag Hammadi to the Gospel of Judas, The Great Courses, The Teaching Company. (Audiolivro)
Elaine Pagels. Os Evangelhos Gnósticos, ed. Cultrix, São Paulo.
Elaine Pagels. The Gospel of Thomas: A New Vision of the Message of Jesus, Sounds True. (Audiolivro de uma palestra proferida em Trinity Church Boston: https://www.youtube.com/watch?v=TavH955eg8k) )
F. Lamplugh. The Gnosis of the Light, a Translation of the Untitled Apocalypse Contained in the Codex Brucianus, Ibis Press, Berwick, EUA.
G. R. S. Mead. A Gnosis Viva do Cristianismo Primitivo, Núcleo Lux, Brasília.
G.R.S. Mead.Echoes from the Gnosis, The Theosophical Publishing House, Wheaton, EUA.
James Robinson. A Biblioteca de Nag Hammadi, a Tradução Completa das Escrituras Gnósticas, ed. Madras, São Paulo.
Jean Doresse. The Secret Books of the Egyptian Gnostics, MJF Books, Nova York, EUA.
Jean-Yves Leloup trad. O Evangelho de Maria, Míriam de Mágdala, ed. Vozes, Petrópolis.
Kurt Rudolph. Gnosis, The Nature and History of Gnosticism, HarpenSanFrancisco, Nova York, EUA.
Márcia Maia. Evangelhos Gnósticos, ed. Mercúrio, São Paulo.
Maria Helena de Oliveira Tricca. Apócrifos II, os Proscritos da Bíblia, ed. Mercuryo, São Paulo.
Marvin Meyer. Mistérios Gnósticos: As Novas Descobertas, o Impacto da Biblioteca de Nag Hammadi, ed. Pensamento, São Paulo.
Raul Branco, trad. Pistis Sophia, os Mistérios de Jesus, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro.
Stephan Hoeller. A Brief Biographical Introduction,The G.R.S. Mead Collection, http://www.gnosis.org/library/grs-mead/mead_index.htm, acessado em jan/2020.
Willis Barnstone e Marvin Meyer. The Gnostic Bible, Shambala, Boston, EUA.
[1] Isso veio a acontecer sob o império de Teodósio, no ano 380.
[2]Márcia Maia.Evangelhos Gnósticos, Ed. Mercuryo, pág. 9
[3] Ou Reservado, ou Secreto.
[4]Morte espiritual, que, para os gnósticos, é a situação em que a humanidade se encontra, alienada de sua natureza divina.
[5] Na obra Pistis Sophia, presente no Códice Askew, essa passagem é citada, e é dito que se trata da casa da alma, onde os componentes superiores da humanidade — a alma e o espírito — serão separados dos componentes inferiores, ou seja, o corpo, o falso espírito (a fonte de pensamentos e ações egoístas) e o destino.